Desde que o autismo foi descrito pela primeira vez por Leo Kanner, em 1943, ocorreram mudanças substanciais nas concepções sobre sua origem e “natureza”. Até meados dos anos 1960, a versão dominante na literatura médico-psicológica internacional, fortemente influenciada pelo vocabulário psicanalítico, enfatizava fatores afetivos e relacionais e postulava que o autismo resultava de distúrbios nas interações precoces entre pais e bebê. Os anos 1960 testemunharam o surgimento de teses de viés cognitivista e o início da busca pela sede do autismo no tecido cerebral. Tais tendências se disseminaram nos anos 1970 e se tornaram hegemônicas na literatura anglófona com o advento dos anos 1980, época na qual se iniciou a difusão do quadro posteriormente conhecido como “Síndrome de Asperger”. Este artigo descreve esse deslocamento na conceituação sobre o autismo, no período situado entre 1943 e 1983, por meio de pesquisa bibliográfica em fontes primárias em língua inglesa. O trabalho se concentra nas correntes teóricas que contribuíram para a construção histórica dessa categoria nosológica, com ênfase na transição da visão “afetivo-relacional” para a concepção “cognitivo-cerebral” do autismo no campo psiquiátrico, e também aponta para alguns fatores contextuais que influenciaram esse processo.
Publicado em julho de 2020.